Olá, assinantes!
A edição de hoje é diferente e especial: trazemos uma entrevista com a ilustradora brasileira, baseada em Portugal, Paola Saliby. Ela compartilhou conosco, de maneira muito franca a generosa, aspectos sobre sua trajetória profissional, seu processo de criação e sua visão sobre o fazer artístico. É uma fala educativa e muito inspiradora para todo(a) aquele(a) que desenvolve uma atividade no ramo criativo.
Nossos mais sinceros agradecimentos a Paola por sua disponibilidade e gentileza!
A entrevista, na íntegra, segue abaixo. Boa leitura!
ArteLetter: Paola, nos conte um pouco sobre sua carreira. Qual a sua formação, como você começou a fazer ilustrações e como vê a evolução do seu estilo artístico desde o início da sua carreira até agora?
Paola Saliby: Em 2010 eu me formei em Desenho de Moda, um sonho que tinha desde o início da adolescência. Esse período foi essencial na construção da minha carreira como ilustradora. Foi uma fase de muita experimentação e liberdade criativa, um momento em que pude descobrir muitas coisas que me interessavam, e o desenho se revelou como um desses pontos de interesse.
Durante o curso, houve pouco preparo dos alunos em relação a entrada no mercado de trabalho, e toda aquela vivência artística da faculdade acabou se revelando uma grande fantasia. Essa desilusão com a moda me fez buscar outros caminhos voltados para o fazer artístico, e o desenho, que cresceu em mim durante aqueles anos, começou a surgir como uma possibilidade.
Parece que não faz tanto tempo, mas na época era estranho pensar que ilustração poderia se tornar uma profissão viável. Ainda é desafiador sobreviver de desenho, especialmente no Brasil, mas hoje em dia, pelo menos, temos mais referências e informações disponíveis, então a gente se sente mais acolhida dentro desse grupo.
Me dediquei a estudar desenho, e aos poucos, fui construindo um portfólio. Apesar da base em desenho que consegui na faculdade, ainda haviam muitas lacunas que precisei preencher ao longo do tempo. Meu desenho nunca foi tecnicamente bom, e não estou sendo modesta dizendo isso. Sempre tive uma conexão forte com arte e acho que nasci artista pelo menos na forma de enxergar o mundo, mas desenhar simplesmente não era algo tão natural para mim. É um desafio que persiste até hoje quando tenho que desenhar algo novo e me dou conta de que não faço ideia de como conseguir um resultado legal.
A evolução do meu traço foi lenta e orgânica. Passei por diferentes fases, testei e abandonei alguns caminhos, vivi minhas crises e já pensei em desistir diversas vezes. Mas é super legal olhar para trás e perceber esse crescimento. Cada imagem que criei reflete o momento da minha vida em que foi feita, e hoje, com mais maturidade, consigo perceber essa conexão de forma mais clara.
Meu estilo mudou bastante ao longo dos anos, e me permitir experimentar coisas diferentes foi essencial para descobrir quais caminhos fazem mais sentido para mim e, principalmente, para identificar o que não gosto de fazer, o que me ajudou a criar meu próprio jeito de desenhar. Por exemplo, nunca gostei de retratar formas e perspectivas de maneira realista, e acho que isso se reflete no meu estilo hoje. Também vejo como parte desse processo desistir, mudar de gosto e de opinião. Como ilustradora, sempre achei chato fazer a mesma coisa por muito tempo, então devo minha evolução à minha mente inquieta.
ArteLetter: Como você descreveria seu processo de criação e quais são suas principais referências e inspirações?
Paola Saliby: O foco do meu trabalho hoje são os projetos comerciais, e nesse caso, o meu processo é estruturado tendo em mente prazos e demandas dos clientes. Fora isso, eu não passo muito tempo desenhando. Nunca consegui criar o hábito de usar sketchbook, por exemplo. Eu sou muito mental, o que tem um pouco a ver com o medo de colocar as coisas em prática e fracassar, mas também vejo como algo positivo e que funciona pra mim. Eu sempre fui muito observadora e isso acaba tendo um peso grande no meu processo, talvez até mais do que sentar e rabiscar, ou desenhar de observação. Os sentidos e as emoções são conceitos que permeiam as cenas e personagens que gosto de criar, e eu gosto de deixar essas sensações marinando na minha cabeça antes de transpor para a tela. Muitos ilustradores relatam sentir uma necessidade de desenhar o tempo todo, como um impulso incontrolável. Por muito tempo, me senti confusa por não compartilhar desse desejo e achava que isso poderia ser um sinal de que não sirvo para ser ilustradora, mas hoje estou tranquila em relação a isso.
Quanto às referências, bebo de fontes diferentes de acordo com o momento, conforme descubro coisas novas e deixo de me interessar por outras. Na construção de um estilo próprio, quanto mais referências coletamos melhor, mas acho fundamental deixar coisas pra trás também.
Sou particularmente fascinada pela temática dos sonhos. O que é da ordem do surreal e do mistério me instiga a pensar, assim como os momentos de silêncio e introspecção, música, e as forças da natureza.
Minhas memórias de infância também reverberam e aparecem nas minhas ilustrações mais lúdicas e divertidas. Me lembro com carinho dos desenhos animados que cresci assistindo, das brincadeiras que eu inventava. Desenhar acaba sendo uma brincadeira que me ajuda a suavizar um pouco a rigidez da vida adulta.
Eu nasci e cresci em Ribeirão Preto, que é uma cidade grande no interior de São Paulo, mas o lado rural da região teve um efeito em mim que me inspira até hoje. Acredito que essa influência se manifesta nas cores que uso, nos silêncios e nas paisagens. Recentemente me mudei para o interior de Portugal e percebo que a vida cotidiana da cidade pequena me salta aos olhos, o que me faz pensar na infância também.
ArteLetter: Nos últimos tempos, as tecnologias digitais, especialmente as de Inteligência Artificial, vêm se tornando instrumentos para criação... Como você vê essa questão no contexto da ilustração e como lida com essas ferramentas?
Paola Saliby: A inteligência artificial pode assumir tantas formas então é preciso ter cuidado antes de só condenar. O uso ético e inteligente dessa tecnologia por artistas pode ser muito interessante, mas assim como eu, acho que muita gente pegou ranço das imagem generativas produzidas em plataformas como o midjourney. Talvez a fascinação e o susto inicial que tivemos quando a ferramenta surgiu tenham passado, e agora isso se tornou algo banal, que ninguém dá muita importância.
Ao meu ver, o mais importante é se discutir sobre regulamentação da IA e a questão do direto autoral, assim como falar sobre a precarização, não só do trabalho de ilustração, mas de todas as profissões. Mas parece que perdemos mais tempo entrando em discussões sobre o que deve ou não ser considerado arte, e esse é um assunto que não vai muito longe e nem resolve as questões mais problemáticas que envolvem essa tecnologia.
Gosto de pensar que o avanço da IA no campo da arte vai fazer com que o as pessoas apreciem mais o que é manual, o que é fruto das emoções humanas e que máquina não consegue replicar. Pode soar ingênuo, mas talvez um sentimento de nostalgia nos leve a isso?
ArteLetter: Você foi responsável por criar a ilustração de capa da edição em inglês do livro “Torto Arado” que, acreditamos, é um dos maiores fenômenos literários no Brasil dos últimos anos. Como essa oportunidade chegou até você e como foi o processo dessa criação?
Paola Saliby: Foi uma delícia e uma honra receber esse convite. Torto Arado foi um livro que cativou muita gente, incluindo a mim, e que merecidamente ganhou reconhecimento internacional. Eu não me recordo como a editora chegou até mim, mas provavelmente através do Instagram.
Como o prazo não era muito longo, a editora sugeriu algumas ideias de composição para que eu desenvolvesse, e então escolheram uma das imagens para a capa. É ótimo quando temos total liberdade criativa em um projeto, mas, por outro lado, essa liberdade pode gerar angústia quando é preciso criar dentro de um prazo curto. Então funcionou super bem dessa forma.
ArteLetter: Esse foi seu trabalho mais desafiador? Quais outros projetos você destacaria como desafiadores ou gratificantes?
Paola Saliby: Sem dúvida foi um trabalho desafiador. Quando recebi o convite, fiquei super empolgada, mas também me senti um pouco insegura, pensando no alcance que o livro estava tendo e pela legião de fãs que se formou desde o lançamento da obra. Quis muito que o Itamar e seus leitores gostassem da capa, e fiquei feliz de imaginar o livro na mão de tantas pessoas. É muito bom estar envolvida em projetos nos quais acredito e com pessoas que admiro, mas, quando isso acontece, meu lado mais crítico desperta com força total.
Faço muitas ilustrações para artigos de jornais e revistas, e projetos editoriais também acabam sendo desafiadores, dependendo do tópico abordado. Às vezes tenho receio de cair em metáforas clichês ou não conseguir ter uma boa ideia dentro dos prazos, que costumam ser curtos. Além disso, alguns temas são sensíveis, e preciso ser mais cuidadosa na escolha das imagens que vou propor. Mas é um processo prazeroso, pois geralmente há muita liberdade para criar, e eu adoro trabalhar com texto.
Também gosto muito quando sou convidada para projetos que têm o Brasil como tema, principalmente artigos e histórias que são importantes de serem compartilhados com o mundo.
Um outro projeto legal que fiz recentemente foi um mural para o escritório do Mail Chimp em Atlanta, que depois foi pintado à mão por artistas locais. Me inspirei no carnaval brasileiro de outras épocas e me diverti fazendo. É uma sensação boa ver meu trabalho aplicado em outras escalas e ocupando espaços físicos.
ArteLetter: Como você imagina a interação do público com sua arte e quais emoções ou mensagens você espera que seu trabalho desperte nas pessoas?
Falando sobre meu trabalho autoral, não tenho pretensão de passar mensagens específicas através das minhas ilustrações. Não penso sobre isso quando compartilho uma imagem. Acho que tem mais a ver com deixar sentir e viajar um pouco dentro da cabeça. Todos nós temos muita dificuldade de lidar com a falta de sentido, procuramos sempre um propósito, uma lógica por trás de tudo. Eu gosto de desafiar essa necessidade criando universos que rompem com essa noção de realidade, e por isso o mundo onírico é uma fonte de inspiração para mim. Não sei se isso realmente acontece, mas talvez eu espere que minhas ilustrações ofereçam uma pausa para contemplar, uma chance de olhar para dentro e sentir o que quer que seja, sem que as coisas precisem fazer sentido.
Para conhecer mais o trabalho de Paola Saliby, visite o site oficial e o perfil no Instagram.
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Que entrevista gostosa de ler. Obrigada por mais essa newsletter excelente! 🧡
Que delícia poder ler uma entrevista tão agradável e verdadeira logo cedo no domingo. Muito interessante a postura da autora em relação ao próprio trabalho. Arte leve. Vocês se superaram. Parabéns 👏🏻👏🏻👏🏻