Escultura da série Âmago de Domingos Tótora
E mais: nossos preferidos da Bienal de Veneza e o que esteve em pauta na semana

A edição de hoje traz uma escultura da série Âmago (2022) do artista e designer brasileiro Domingos Tótora. Mineiro do município de Maria da Fé, na região da Serra da Mantiqueira, Domingos ganhou reconhecimento internacional através do trabalho que transforma papelão descartado em peças escultóricas e móveis. As esculturas Âmago são exemplo disso: feitas com papelão e tingidas com pigmento natural de terra, elas foram finalistas da edição 2022 do Loewe Craft Prize, exposição e premiação anual realizada pela marca de moda Loewe para promover a arte de base artesanal.
Nós temos muito a falar sobre o trabalho de Domingos, mas não tão bem quanto ele mesmo. Por isso, fizemos uma breve entrevista com ele e hoje esse espaço dá a palavra ao próprio artista.
ArteLetter: Domingos, nos conte sobre como surgiu seu trabalho e quais suas inspirações.
Domingos Tótora: Descobri a beleza dessa matéria quando dava aula de artes para crianças há um tempo atrás. Resolvi fazer uma massa com uma embalagem de papelão que encontrei no meu quintal. No decorrer da aula, eu moldei uma peça com a massa que havia sobrado e qual não foi a minha surpresa, depois de um certo tempo, quando me deparei com a matéria já seca se assemelhando a uma casca vegetal. Me despertou uma grande emoção e curiosidade para continuar desvendando os mistérios dessa matéria que é a massa de celulose. Juntamente com todo esse processo, eu reparei que havia um descarte muito grande de embalagens de papelão nas portas dos supermercados da minha cidade, Maria da Fé-MG, e resolvi dar continuidade à minha pesquisa e também um destino a elas, transformando-as em peças escultóricas, maciças com grande apelo tátil.
A grande inspiração são as cores, formas e texturas orgânicas da natureza do meu entorno.
ArteLetter: E como é seu processo criativo, desde a concepção até a conclusão?Sabemos que ele tem relação com a questão da sustentabilidade e integração da comunidade local... Poderia falar um pouco sobre isso?
Domingos Tótora: É um processo muito poético. Desconstruo o papelão, estabeleço o caos, organizo esse caos e o objeto que nasce desse processo expressa um conteúdo de vida. O papelão ao chegar na oficina é picado e deixado de molho em água para depois ser transformado em uma massa de celulose. Tem vários tipos de massa que desenvolvi ao longo do tempo que me dão a possibilidade das mais variadas texturas. A pigmentação com a terra acontece no decorrer da criação. Estabeleço um diálogo profundo com a matéria até o momento em que só ela fala e nessa interlocução silenciosa o inusitado ganha vida própria, e é exatamente nesse momento que me conecto com a minha essência. Gosto muito de ficar atento aos erros durante o processo. Já consegui resultados incríveis por intermédio dessa observação.
Quando comecei a desenvolver esse trabalho nem se falava de sustentabilidade. Não penso só em mero reaproveitamento, antes disso pra mim as peças tem que tocar e emocionar profundamente as pessoas.
Nesse processo todo estão envolvidos 12 artesãos que capacitei ao longo dos anos, eles são parte importante na minha história, pois me ajudam a materializar a minha ideia.
ArteLetter: Como você imagina a interação entre o espectador e seu trabalho? Quais são as principais emoções, pensamentos ou mensagens que você espera evocar no público à medida que experimentam sua arte?
Domingos Tótora: A primeira coisa que peço pra uma pessoa que chega perante uma obra minha é que a toque. O objeto só existe a partir do momento que ele é tocado.
Sempre espero que o espectador tenha um sentimento de pertencimento, avivando o que é próprio e único dentro desse mundo globalizado.

Para conhecer mais o trabalho de Domingos Tótora, visite o site oficial e o perfil no Instagram.
📄 Mudando de assunto…
A 60ª Bienal de Veneza, maior e mais antiga Bienal do mundo, começou oficialmente ontem, 20/04. Pela primeira vez, o evento tem a curadoria de um latinoamericano, o brasileiro Adriano Pedrosa, atual diretor do MASP. Ele assegura que esta edição, intitulada "Stranieri Ovunque" (Estrangeiros em todos os lugares), desafiará o público com sua temática provocativa. Inspirando-se no trabalho de Claire Fontaine e na luta contra a xenofobia de um grupo em Turim no início dos anos 2000, a exposição enfatiza artistas que exploram o conceito de "estrangeirismo" em suas várias formas, abrangendo imigrantes, expatriados, diásporas, exilados, refugiados e indivíduos à margem da sociedade.
A exposição conta com trabalhos de mais de 300 artistas e divide-se em dois núcleos: um histórico e outro contemporâneo. Nós compartilhamos aqui cinco dos nossos preferidos desse segundo núcleo. Todos eles estão expondo na Bienal de Veneza pela primeira vez!
O brasileiro Dalton Paula, com sua série Full-Body Portraits (2023-24), que retrata figuras históricas de ascendência africana que lideraram ou estiveram envolvidas em movimentos de resistência anti-escravidão no Brasil.
A escultura The Thinker (2023), de Taylor Nkomo, artista do Zimbábue que é referência em esculturas em pedra.
Esse emocionante mosaico de Omar Mismar, que homenageia pessoas que protegeram um museu arqueológico na Síria durante conflitos.
O trabalho Pos’ se acabó este cantar (2021), da mexicana Ana Segovia, que questiona os esteriótipos de masculinidade, especialmente os do seu país de origem.
E a delicada instalação Let me mend your broken bones (2024), da palestina-saudita Dana Awartani, em homenagem aos locais históricos e culturais que foram destruídos no mundo árabe durante guerras e por atos terroristas.
E vocês, de qual gostam mais?
👀 Arte em Pauta
Quer acompanhar mais a Bienal de Veneza? Esse vídeo de apresentação e o perfil da Bienal no Instagram são uma boa opção para isso.
E quem ganhou o maior prêmio da Bienal de Veneza, o Leão de Ouro, foi a artista ítalo-brasileira Anna Maria Maiolino. É a primeira vez que alguém do Brasil recebe o prêmio.
Pavilhão de Israel na 60ª Bienal de Veneza deve permanecer fechado. A artista Ruth Patir e curadores pedem cessar-fogo e libertação dos reféns.
Se por um lado a Bienal de Veneza tem recebido elogios, por outro… O crítico de arte do The New York Times levantou essa reflexão.
Essa semana, descobrimos esse vídeo, com participação de Ailton Krenak, e achamos que vale a pena compartilhar aqui.
Novas obras, desenvolvidas no âmbito do projeto Art in Progress, da Massimo Dutti, foram expostas na loja de Milão durante o Salone del Mobile. Vale a pena conhecer!
Um evento inusitado aconteceu na Pinacoteca de Munique: um funcionário foi demitido e enfrentará ações legais após ter sido descoberto que ele instalou secretamente um quadro de sua autoria no museu.
Até 07 de julho, estará em cartaz no MET a exposição Hidden Faces: Covered Portraits of the Renaissance (Faces Escondidas: Retratos ocultos do Renascimento), com trabalhos dos séculos 15 e 16. Vale a pena conhecer nem que seja só através do material on-line.
E depois do sucesso da exposição de Rothko, a Louis Vuitton Fondation inaugura, na semana que vem, uma exposição de Matisse que vai até 09/09.
Adorei conhecer o Domingos Tótora! Me surpreendeu que ele incentiva as pessoas a tocar a escultura. Muito legal 👏🏻