![](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F14a397cf-343a-476f-acd6-f2cd0b2bf640_570x875.heic)
Desde os ready-mades de Marcel Duchamp, o mundo da arte passou por uma transformação nas técnicas e formas de expressões: vimos o “feito à mão” dar lugar ao conceitual. Além do próprio ready-made, performance, instalação, land art e outras linguagens conceituais estiveram em lugar de destaque na cena artística das últimas décadas, especialmente a partir da década de 1960. Mas como tudo (ou quase tudo) é cíclico, neste exato momento, vemos no mundo da arte um movimento de retorno ao manual. Isso não quer dizer que o conceitual passou; pelo contrário, ele sempre terá amplo espaço no mundo da arte, mas significa sim que outras técnicas, por que muito tempo foram menos valorizadas, ou tradicionalmente relegadas à condição de artesanato, agora estão em alta no fazer artístico. É o caso das artes têxteis, como tapeçaria, crochê e bordado.
O trabalho da artista têxtil e designer italiana Francesca Colussi Cramer, aqui representado pela obra The Unveiling (2021), é um exemplo disso. Baseada no norte do País de Gales, no Reino Unido, Francesca se dedica a fazer bordados em postais e fotografias antigas. Com isso, ela transforma e recontextualiza essas imagens através de uma perspectiva contemporânea e tridimensional, explorando as interseções do que é considerado arte, design e artesanato através de um meio que tem sido tradicionalmente percebido como feminino, engajando-se em um diálogo entre passado e presente.
The Unveiling (2021) traz um bordado delicado sobre um cartão postal antigo, mostrando um “Ceiba Tree” seca, em preto e branco, com flores bordadas em tons vibrantes de rosa. O contraste entre o cartão vintage e os bordados modernos cria uma interação entre passado e presente. As flores bordadas adicionam um toque de vida e cor ao cartão monocromático e aos galhos secos da árvore, ressaltando a transitoriedade do tempo e a capacidade da intervenção manual de transformar algo antigo em uma nova expressão visual, trazendo delicadeza e poesia ao que seria um simples objeto de memória.
Com esse tipo de trabalho, Francesca já colaborou para várias grandes marcas, como IKEA, J. Crew, Nike, Toast e Uniqlo, e já fez várias exposições em diversas cidades. Para saber mais sobre seu trabalho, visite o site oficial ou o perfil no Instagram.
![](https://substackcdn.com/image/fetch/w_720,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F80fd12ca-b58d-4b8a-9bd7-02554bbd136a_1000x1000.webp)
![](https://substackcdn.com/image/fetch/w_720,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F1c6b6f03-7124-4456-82ee-11893a4f281d_733x1000.webp)
📄 Mudando de assunto…
Ao contrário dos livros produzidos em massa que temos hoje, um manuscrito iluminado é um objeto único. Em sua estrutura, layout, conteúdo e decoração, cada manuscrito carrega marcas distintas, resultado do conjunto exclusivo de processos e circunstâncias envolvidos em sua criação, passando sucessivamente pelas mãos do fabricante de pergaminhos, do escriba e de um ou mais decoradores ou iluminadores.
Iluminura é a arte de ornar um texto, página e letra capitular com desenhos, arabescos e miniaturas, entre outros elementos. Trata-se de ilustrar o manuscrito, frequentemente usando ouro e prata para “iluminá-lo” – ou seja, dar-lhe um brilho especial. Essas decorações, geralmente situadas nas margens e nas iniciais dos textos, desempenhavam tanto um papel estético quanto funcional. Elas não apenas embelezavam o conteúdo, mas também ajudavam a reforçar e transmitir a mensagem do texto. O termo “iluminura” vem do latim illuminare, que significa “iluminar” ou “tornar brilhante”, em referência ao uso de metais preciosos e cores vibrantes, que faziam as imagens literalmente reluzirem à luz.
Antes da invenção da imprensa, os primeiros manuscritos no Ocidente eram produzidos em mosteiros, já que a maioria tinha temas cristãos. As iluminuras eram aplicadas principalmente em manuscritos religiosos, como Bíblias, livros de salmos e hagiografias (biografias de santos). Com o tempo, essa arte também se estendeu a livros científicos, literários e até documentos jurídicos. A técnica envolvia criar desenhos à mão com penas e pincéis, usando tinta e pigmentos naturais. Para iluminar os detalhes, especialmente nas letras iniciais e capitulares, aplicavam-se ouro ou prata em pó sobre uma base de cola chamada goma-arábica. Isso conferia ao manuscrito um aspecto cintilante, quase mágico, aumentando seu valor simbólico e estético. A qualidade dos materiais usados variava conforme a riqueza do patrono que encomendava o manuscrito.
Alguns manuscritos, no entanto, como o Vergilius Vaticanus, de aproximadamente 400 d.C., não possuem douração, o que gera debates acadêmicos sobre a definição de iluminura. Esse manuscrito é uma das mais antigas fontes sobreviventes do texto da Eneida, do poeta clássico Virgílio (70 a.C.–19 a.C.). Hoje, restam 76 folhas, contendo 50 ilustrações. O texto foi escrito primeiramente, deixando espaço para as ilustrações, e como era comum na época, não há espaçamento entre as palavras. As imagens estão emolduradas, incluindo paisagens e detalhes arquitetônicos, e as figuras são representadas de maneira clássica, refletindo a estética da época.
Os manuscritos iluminados constituem um dos fenômenos mais importantes de nossa civilização e marcaram a Idade Média na construção de identidade cultural. Seu desenvolvimento mais significativo ocorreu justamente nesse período, entre dois grandes marcos na história do livro: a substituição gradual do rolo pelo códice (livro manuscrito) entre os séculos III e IV, e a invenção da imprensa em meados do século XV.
Com a invenção da prensa de tipos móveis por Johannes Gutenberg em 1450, a produção de livros passou a ser mecanizada, marcando o início do declínio das iluminuras. No entanto, algumas iluminuras continuaram a ser feitas em edições de luxo, e muitos manuscritos medievais passaram a ser colecionados e preservados como verdadeiras obras de arte. Graças à alta qualidade de conservação desses manuscritos, historiadores da arte e da cultura conseguem obter valiosas informações sobre o mobiliário, os trajes e os costumes antigos.
Outro exemplo, que contém os quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João) do Novo Testamento, decorado com representações dos evangelistas e cenas bíblicas, é o Livro de Kells (século IX). Seus textos são extraídos principalmente da Vulgata, a tradução da Bíblia para o latim do final do século IV, com algumas inclusões de traduções posteriores. A decoração do manuscrito combina iconografia cristã tradicional com motivos ornamentais em espiral, típicos da arte insular, figuras de humanos, animais e bestas míticas, juntamente com nós celtas e padrões entrelaçados em cores vibrantes.
Muitos desses elementos decorativos carregam simbolismos cristãos que reforçam os temas centrais das ilustrações. O Livro de Kells possui 340 folhas de velino (pele de bezerro de alta qualidade) e foi iluminado provavelmente por três artistas e quatro escribas. Um exemplo notável é a ilustração na página 27 verso, que apresenta os tetramorfos — um conjunto simbólico de quatro elementos comum na arte cristã, inspirado no Livro de Ezequiel. Nessa representação, o Homem simboliza Mateus, o Leão simboliza Marcos, o Touro simboliza Lucas e a Águia simboliza João. Os tetramorfos estão emoldurados por complexos padrões celtas, ressaltando a riqueza decorativa do manuscrito.
![](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F43e20798-c1c7-4d05-877a-57801ed3a706_886x1120.heic)
O tipo mais popular de manuscrito iluminado é o Livro das Horas, composto por orações a serem ditas em horários específicos ao longo do dia. Um dos exemplos mais famosos desse tipo de livro é o luxuoso Les Très Riches Heures du Duc de Berry (As Riquíssimas Horas do Duque de Berry), encomendado pelo príncipe francês João de Valois (1340–1416) em 1410. Este manuscrito possui 512 páginas, das quais cerca da metade são totalmente iluminadas, além de trezentas letras capitulares decoradas.
As iluminuras foram criadas pelos artistas conhecidos como Irmãos Limbourg — Herman, Paul e Jean — que deixaram a obra inacabada ao falecerem durante a peste de 1416, assim como o próprio patrono. Posteriormente, a finalização foi atribuída a Barthélemy van Eyck e Jean Colombe.
Um destaque das ilustrações dos Irmãos Limbourg é o Fólio 1v, Janeiro, abaixo. Nessa página, é ilustrado o mês de janeiro com um banquete de Ano Novo, onde o duque aparece à direita, vestindo uma túnica azul e um gorro de pele. O rosto do duque é um retrato fiel, de acordo com seu busto no túmulo na catedral de Bourges. A inscrição ao fundo, “Approche Approache” (“Aproxime-se, aproxime-se”), convida os presentes a se aproximarem do duque. À direita, um porteiro com um bastão e uma corrente sinaliza que um dos convidados pode se aproximar do príncipe.
Vários familiares do duque reúnem-se ao redor dele, enquanto os criados trabalham. Sobre a lareira, aparece o brasão do duque, decorado com flores-de-lis, ursos e cisnes. Animais de estimação estão representados em detalhes: cachorrinhos sobre a mesa e galgos no chão. Ao fundo, uma tapeçaria para aquecer o ambiente representa cenas da Guerra de Troia, trazendo ainda mais riqueza e simbolismo ao ambiente.
![](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F104f58a6-53a7-49f8-9dc5-f2bf9937acf5_886x1370.heic)
A iluminura em destaque abaixo, realizada por Barthélemy d'Eyck entre 1457 e 1470, pertence a um manuscrito que atualmente está preservado na Biblioteca Nacional Austríaca. Esse manuscrito, composto por 127 folhas de pergaminho no formato de 29 cm x 21 cm, foi deixado inacabado devido ao falecimento de Barthélemy d'Eyck em 1470. A página iluminada representa o Amor (Cupido) concedendo ao cavaleiro Coração o coração de um rei doente. A cena, cuidadosamente trabalhada, apresenta um ambiente noturno, com luz indireta e sombras detalhadas, criando um efeito visual delicado e dramático.
A primeira letra do texto inicia-se com uma capitular ricamente adornada e cercada por arabescos florais que formam um padrão elaborado. O manuscrito foi originalmente adquirido pelo príncipe Eugênio de Sabóia e, após sua morte, foi comprado em 1737 pelo imperador Carlos VI para a biblioteca da Corte Imperial. Durante o domínio de Napoleão, foi transferido para Paris em 1809, mas retornou a Viena com a Restauração (1814-1815), onde permanece até hoje.
Outra cópia deste manuscrito pode ser visualizada na Biblioteca Nacional da França através deste link.
Por último, mas não menos importante, apresentamos o Livro de Orações de Cláudia da França (1499-1524), feito para ela por volta de 1517, ano de sua coroação. Esse manuscrito minúsculo, escrito em latim, mede apenas 6,9 x 4,9 cm. O brasão de Cláudia aparece em três folhas diferentes, e o livro é ricamente ilustrado, com todas as bordas das folhas pintadas, frente e verso, exibindo 132 cenas da vida de Cristo, da Virgem Maria e de diversos santos. As iluminuras foram realizadas por um artista conhecido como o Mestre de Cláudia da França.
Nas páginas abaixo, vemos à esquerda a Anunciação. Abaixo, está o brasão de Cláudia da França. Na página à direita, a Visitação é representada: o encontro entre Maria e sua parente Santa Isabel após a anunciação, conforme narrado no Evangelho de São Lucas. Em ambas as páginas, o cenário é cuidadosamente construído, empregando a estética renascentista com um toque de perspectiva gótica.
![](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F35dc916c-e655-4356-9cc5-96204af5737c_986x703.heic)
Recomendamos que explorem os links para uma visão mais detalhada, observando a riqueza de detalhes em folhas tão pequenas, criadas por escribas, artesãos e artistas, que através de suas obras nos possibilitam entender nossa história.
Conte-nos: já conhecia a arte das iluminuras? Para nós leitores seria fascinante possuir um livro desses, não?
👀 Arte em Pauta
No dia 24 de outubro foi anunciado o título da próxima edição da Bienal de Arte de São Paulo: “Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática”. O evento acontecerá a partir de setembro de 2025.
Solução ecológica promete conservar superfícies douradas em igrejas do Brasil.
Menino de três anos pinta quadros que valem milhares de Euros.