Hope de Pejac
E mais: um breve olhar sobre a história das exposições impressionistas e algumas novidades do mundo da arte
Nesta semana, trazemos um olhar de “esperança” com a série Hope, do pintor espanhol Pejac (Silvestre Santiago, 1977), cujas obras incluem murais, pinturas, esculturas e instalações. O artista é conhecido por seu domínio da tinta em praticamente qualquer ambiente, indo do papel e da tela tradicional às ruas e espaços públicos de várias cidades pelo mundo. Pejac busca criar pontos de reflexão e diálogo sobre questões sociais e ambientais. Seus primeiros passos na Arte Urbana ocorreram quando, desiludido com as ideias elitistas dos professores da Accademia di Belle Arti di Milano, decidiu criar uma arte acessível a todos. Utilizando a técnica de trompe-l’oeil, que cria uma ilusão de ótica tridimensional em superfícies planas, ele atrai olhares curiosos para suas figuras em pequena escala, que só são percebidas de perto e formam uma imagem completa à distância.
Hope nasceu em 2024, mas sua inspiração remonta a 2020, com o mural Social Distancing, criado no auge da pandemia. Na época, Pejac pintou três murais chamados Strength (força) na parte externa do Hospital Universitário Marqués de Valdecilla, em sua cidade natal, Santander. Cada mural recebeu um título: Caress (afago), Overcoming (superação) e Social Distancing (distanciamento social).
Em Social Distancing, vemos, à distância, o que parece ser uma grande fenda na parede. Ao nos aproximarmos, percebemos uma multidão de pessoas formando essa fenda, tentando escapar da rachadura. Essa obra de trompe-l’oeil é uma metáfora rica para as rupturas sociais causadas pelo vírus e a necessidade de cuidado e compaixão comunitária. A obra rapidamente viralizou nas redes sociais, tornando-se um símbolo de esperança, capturado na riqueza de detalhes de suas figuras.
Em 2024, surge o projeto Hope, uma releitura de Social Distancing, em parceria com o estúdio de serigrafia Make-Ready, de Londres. Esse projeto explora como a esperança é formada e cultivada. Pejac realizou uma residência no estúdio para criar a obra original, e, a partir dela, concebeu uma série de oito impressões que, gradualmente, vão adicionando novas figuras e interações, construindo uma metáfora inversa: enquanto Social Distancing representa a fragmentação social, Hope mostra como a criação de comunidade e compaixão podem resgatar a sociedade. Na última edição, a palavra “Hope” é destacada em ouro, simbolizando a formação de esperança social à medida que mais pessoas atuam como agentes de mudança diante das crises.
A série Hope teve 1.000 impressões criadas, divididas em 125 exemplares de cada uma das oito imagens, com cada peça sucessiva adicionando mais figuras em ações diversas. Essa série foi colocada à venda em julho deste ano e esgotou rapidamente. Uma nova edição já está sendo divulgada.E segue a determinação do artista em criar uma arte acessível.
Assista o vídeo abaixo para entender melhor a criação da obra e seus detalhes. Para saber mais do artista e seu trabalho visite o site oficial ou o perfil do Instagram.
📄 Mudando de assunto…
A essa altura, talvez você já saiba que em 2024 celebramos os 150 anos do movimento Impressionista. Por isso, ao longo das quatro edições desse mês de novembro, vamos abordar aspectos desse movimento em nossa seção “Mudando de Assunto…”. Para começar, abordaremos hoje, de maneira breve e sucinta, as origens do termo “Impressionista” e a história das exposições “Impressionistas”.
Mas para compreender o surgimento do termo “Impressionismo” e as exposições, é necessário compreendermos antes o contexto em que tudo isso estava inserido. Em 1874, Paris passava por uma profunda transformação urbana e social. Um dos principais intelectuais que escreviam sobre essas transformações era Charles Baudelaire, que em 1863 escreveu “O Pintor da Vida Moderna” onde, entre outras coisas, defendeu que o pintor daquele tempo deveria registar o dia a dia e as transformações da vida urbana, incluindo a velocidade com as quais as coisas estavam acontecendo e o caráter transitória da vida moderna. Esse texto inspirou diversos artista da época, que trocaram a pintura nos ateliês pela pintura ao ar livre e começaram a desenvolver novas técnicas, capazes de representar a transitoriedade do momento, especialmente da luz, e a registrar a cena urbana que se instalava em Paris.
Ao mesmo tempo, naquela época, qualquer artista que quisesse fazer da arte um caminho profissional precisava expor no Salão. O Salão era um evento anual que marcava o ritmo da cena artística parisiense. Era uma enorme exposição oficial, totalmente sob o controle do Estado e da Escola de Belas Artes de Paris, que desde 1857 acontecia no Palácio da Indústria ou Palácio dos Campos Elísios, e apresentava todas as disciplinas artísticas (pintura, escultura, desenho etc.). E é importante frisar novamente que ser aceito para expor no Salão era obrigação absoluta para qualquer artista que quisesse fazer disso a sua profissão. Mas para ser aceito era preciso passar pelo crivo de um júri rigoroso, que privilegiava obras que correspondessem a critérios acadêmicos, com dimensão narrativa e intelectual. E este júri estava pouco inclinado a aceitar as últimas tendências em pintura.
E de fato não aceitavam! Quase todas as obras que não seguiam as técnicas mais clássicas ou que não abordassem os temas considerados mais nobres e acadêmicos - como retratos, mitologia e história - eram recusados. O volume de trabalho recusados passou a ser tão grande, que deu origem a outra exposição pública: O Salão dos Recusados. Era uma oportunidade para os não aceitos pelo Salão darem visibilidade aos seus trabalhos, mas, por outro lado, o caráter depreciativo da exposição não os favorecia profissionalmente.
Foi então que em 15 de abril de 1874, um grupo de artistas reuniram os poucos recursos e a muita coragem que tinham e inauguraram sua primeira exposição independente1 em Paris. Foi a primeira vez na história da arte que isso aconteceu e representou uma profunda mudança no sistema da arte. Com trabalhos que não seguiam a rigor as regras acadêmicas e eram considerados inovadores para época, eles queriam criar um espaço para poder mostrar sua produção sem depender da aprovação em exposições oficiais. Faziam parte desse grupo Monet, Pissarro, Sisley, Renoir, Degas e Berthe Morisot e outros 31 artistas.
Essa exposição ocorreu durante um mês e aconteceu no antigo ateliê do fotógrafo Nadar. O ateliê ficava no Boulevard des Capucines, uma parte muito nova da capital, porém com muita atividade comercial, empresarial e teatral. O local era dividido em dois andares, onde foram expostas 200 obras de todos os tipos, o que fez a exposição ser marcada por falta de homogeneidade. Foi justamente a grande heterogeneidade de peças e estilos e a falta de coerência entre elas que gerou fortíssimas críticas à exposição, que foi um fracasso não só de crítica como também de vendas. Foi nessa exposição que Monet expôs a pintura “Impressão, Nascer do Sol” (1872), de Monet. E foi num texto crítico à exposição, ao referir a esta obra, que Louis Leroy criou o termo “Impressionista” como algo de cunho pejorativo, com o objetivo de ridicularizar o grupo.
A segunda exposição do grupo aconteceu dois anos depois, em 1876, numa galeria de arte privada do marchand Paul Durand-Ruel. É preciso lembrar que, além de não terem lugar fixo, essas exposições também não tinham intervalos regulares. Não havia um calendário fixo ou pré-definido para esses eventos. Em vez disso, foram organizadas de acordo com as circunstâncias e a disponibilidade de cada um dos artistas dentro do grupo, cujos membros mudavam constantemente. Para esta exposição, o grupo desfez-se dos seus artistas menores e incorporou Gustave Caillebotte, que expôs a pintura The Floor Scrapers (1875), e a partir daí teria um papel fundamental na história dessas exposições, especialmente através do seu apoio financeiro significativo. Apesar das mudanças, novamente a exposição não foi bem recebida pelo público e crítica.
Em 1877 aconteceu a terceira exposição. Foi uma exposição importante, pois foi a mais unificada em termos de estilo impressionista. Com isso, o grupo conseguiu que o público e a crítica compreendessem seus motivos e objetivos. Foi também o ano em que os impressionistas decidiram apropriar-se dos termos Impressionista e Impressionismo. Adotaram-os, inclusive, utilizando em cartazes na entrada da exposição, e como título de uma revista artística, cuja publicação estava prevista desde 1874 e foi publicada em quatro volumes. A exposição foi bem recebida e até rendeu lucros. Foi nela que Renoir expôs Le Moulin de la Galette (1876).
A quarta exposição ocorreu em 1879. Nesse momento, ficou determinado, especialmente por Degas, que participantes do Salão não poderiam expor na exposição independente. Isso levou Renoir a não expor no Salão naquele ano (Renoir, embora adepto da técnica impressionista, também seguia fazendo algumas pinturas à gosto do Salão, com a expectativa de que isso lhe trouxesse mais visibilidade e oportunidade de vendas). Nesta quarta exposição também foram expostos pela primeira vez leques decorativos. Uma seleção de quase 20 leques, o que deu caráter à exposição e ajudou a estabelecer a sua identidade dentro das artes decorativas. E esse foi um aspecto dominante e onipresente da arte impressionista, sendo essa quarta exposição a mais significativa nesses termos. Sobre essa quarta exposição, também é importante destacar a primeira participação de Mary Cassat que, a partir de então, exerceu papel importante na organização das exposições.
As duas exposições seguintes, em 1880 e 1881, são consideradas o ponto em que o grupo começou a desmoronar. Havia uma discussão interna a respeito do nome das exposições; muitos não gostavam ser rotulados e outros não queriam ser associados a um nome desfavorável. Houve um aumento no número de cancelamentos em favor do Salão em 1880 e 1881. Em 1880, Renoir e Monet não expuseram porque preferiram o Salão, e Cézanne deixou o grupo definitivamente. Caillebotte juntou-se a eles em 1881.
Também em 1881, Degas convocou novos membros ao grupo, seus amigos Frederico Zandomeneghi e Jean-Marius Raffaëlli, para expor ao lado dele. Este último expôs 32 obras, o que o tornou o artista mais representado daquele ano e criou um forte desequilíbrio em termos de conteúdo da exposição em favor de suas pinturas. A pintura de Raffaëlli se distanciava muito do estilo impressionista e sua forte presença na exposição foi o que levou Caillebotte a renunciar em sinal de protesto. Por outro lado, Renoir voltou ao grupo.
A sétima exposição, em 1882, foi marcada pela mudança de formato e até de caráter. Desta vez, aconteceu num espaço bastante vasto, os Salons du Panorama de Reichshoffen. A esta altura, restaram no grupo apenas sete artistas. Foi a menor exposição em número de expositores. Mas dito isto, tal como a exposição de 1877, esta exposição destacou-se das demais pelo seu notável sentimento de homogeneidade, com uma pequena diferença: o formato organizacional era muito diferente.
Caillebotte voltou a expor com a condição de que Raffaëlli não se envolvesse. Como consequência, Degas deixou a exposição, e Cassatt também em solidariedade ao amigo. O negociante de arte Paul Durand-Ruel, então, se envolveu e teve um papel importante para essa exposição. A razão para isso foi que ele fez um investimento massivo em peças desses artistas que não encontraram compradores. Além disso, em 1882, sua galeria foi gravemente afetada pela crise financeira que atingiu Paris. E para sair dessa situação, ele decidiu expor tudo o que tinha nessa exposição, um número considerável de pinturas.
Como consequência, embora o número de artistas participantes diretos fosse baixo, havia um grande número de peças de Pissarro, Renoir, Sisley e de outros participantes do grupo em outras edições da exposição e, por isso, podemos de certa forma dizer que está é a mais impressionista destas exposições. Foi a primeira vez que a crítica reconheceu o grupo como uma escola. Por outro lado, por contradição, também poderia ser considerado o fim do impressionismo, ou seja, o fim do envolvimento dos impressionistas na exposição, uma vez que Renoir, Sisley e Monet se distanciaram da sua organização, e a exposição passou a ser dirigida por um marchand. Mas apesar dos esforços de Durand-Ruel, a exposição foi um fracasso financeiro.
A oitava e última exposição aconteceu em 1886. Desta vez, aconteceu no primeiro andar do restaurante La Maison Dorée, na rue lafitte. A novidade desta exposição é que foi a primeira a apresentar peças que se enquadravam na categoria Neo-impressionista ou Divisionismo. Eram novas variantes do Impressionismo, muito mais cientificas e lógicas, porém sem a espontaneidade característica do impressionismo.
O que podemos apreender dessa história é que o Impressionismo se fez entre altos e baixos, sob muitas críticas, e através da união entre artistas com estilos diversos que, em comum, tinham apenas a vontade de inovar e de colocar no mundo novas formas de fazer pintura. Se hoje o Impressionismo é um dos movimentos artísticos mais apreciados, o oposto não acontecia 150 anos atrás. Boa parte de seus representantes – a exemplo de Sisley, Pissarro e Degas – morreram pobres e sem reconhecimento. Foi preciso muitos anos de uma luta implacável - que começou antes das exposições e continuou depois dela - para que o trabalho desse grupo ganhasse reconhecimento.
Grupo esse que era tão heterogêneo que pode nos levar a perguntar: afinal, o que é um Impressionista? Do ponto de vista das exposições, um participante de qualquer uma delas. Do ponto de vista da técnica, aqueles que se dedicaram a pintar ao ar livre, com pinceladas curtas e rápidas, e/ou pintar as cenas do cotidiano moderno com o intuito de captar a transitoriedade do momento. De modo geral, eram todos aqueles unidos pela reivindicação de liberdade de expressão artística.
E eles conseguiram! Em 12 anos de exposições, o grupo impressionista transformou a cena da arte parisiense. Eles fizeram com que, aos poucos, o público e a crítica fossem se habituando a novas expressões artísticas, à arte vanguardista. Ao final desses 12 anos, o Salão já não era a única opção para um artista ter visibilidade e se firmar profissionalmente. Sua ousadia é o grande marco para o hoje conhecemos com Arte Moderna.
👀 Arte em Pauta
Cidade Maia é achada no México.
Tendências no mundo da arte: o que foi vendido na Art Basel Paris 2024.
Descoberta em Pompeia casa com afrescos elaborados.
A Sotheby 's colocou à venda sua primeira obra creditada a um robô humanóide usando inteligência artificial (IA), Portrait of Alan Turing (2024) foi criada por Ai-Da Robot. Já há um lance de U$120,000.
Embora esse texto tenha ficado grande para os padrões de uma edição de newsletter, queremos deixar claro que, para não nos estendermos ainda mais, abordamos apenas alguns dos aspectos mais importantes de cada uma das exposições. Essa história é muito mais longa, complexa e cheia de detalhes e, ousamos dizer, poderia haver uma newsletter só sobre tudo que envolve a história das exposições impressionistas. Ou seja, sabemos e queremos ser honestas a respeito do fato de que esse texto é raso. Mas caso você queria se aprofundar nesse tema, indicamos o livro História do Impressionismo (muitas das informações contidas aqui vieram dele).
Meninas, edição primorosa!
Que alegria conhecer Hope. A dedicação ao processo me marcou muito. O processo como fim em si mesmo. Muito bonito!
Ah! Adorei a explicação sobre o Impressionismo.
Obrigada!
Parabéns novamente meninas tudo muito bom